sábado, 10 de dezembro de 2011

Paisagem

Chego em cada esquina “como quem foge de casa”, me perdendo e , ao mesmo tempo me achando, descubro que chego onde nunca ousei chegar. Às vezes atravesso o meu passado e me demoro num abraço de amor que me é eterno. Canto uma canção ali  no bateau pelo rio Sena acompanhada por um velho acordeonista, “que reste-t-il de nos amours”, e agradeço a Charles Trenet este hino de amor que ele fez para mim. Descubro no meio dos verdes, um amarelão  dourado: são os quatorze girassóis de Van Gogh, lindos, num movimento rotativo. Arrodeio e lá vem de novo o passado! Sorrio, e escuto meu poeta rindo do meu riso apelidando-o  de “riso de cristal quebrado”. Dobro noutra esquina e me entusiasmo  com o amor que chegou tarde, ele me alcança a esperança, e só o desejo de ser, me faz feliz. Pelos caminhos, escuto os sinos solenes e fortes da Catedral de Notre-Dame - me dou conta de uma lágrima no rosto, e  num cochicho com  Deus, agradeço  por tudo isso. Minha viagem é esta paisagem!

sábado, 3 de dezembro de 2011

PAULO FERNANDES

E agora Paulinho, o que eu faço daquele salmão sem sal, temperado com amor e limão? Vou rever o Anjo Azul. Mas basta-me aquela cena do prof. Rath entregando a vida na sala de aula vazia - vou rever mil vezes se possível for, e meus olhos ficarão parados – só velando e rogando a Deus por você.
 Seja lá como for é preciso continuar a viver, mas é preciso chorar, até porque, por ter uma grande pena de mim...

sábado, 19 de novembro de 2011

O Cabugi


A lua está sempre relacionada ao amor. Às vezes, guia dos pensamentos mais íntimos que nos fazem acreditar na nossa poderosa  capacidade de amar o amor, até como defesa contra os segredos do pecado. E agora, neste novembro, num só momento, a lua é a beleza predileta do Cabugi! A cada dia ela vai e volta mais tarde,  e aos poucos vai se despedindo e se perdendo no escuro do céu, deixando as estrelas se responsabilizarem com o brilho. Mas não é só a lua que se despede do Cabugi, neste novembro, o touro Necessário, também está se despedindo - está indo para os arredores de São Paulo - foi escolhido como herói, cobridor de todas as vacas. Está indo para a Central de sêmen de Touros da raça Guzerá. Alem de garantir filhos fortes e saudáveis, tem um porte de rei Guzerá, na cabeça enormes “liras” e um olhar durão, espantando os mais corajosos dos mortais.
E o Cabugi vai se deixando consumir pelas paixões dos poetas. Para o poeta Rômulo Wanderley, ele desponta como o seio da mulher amada, e para meu querido Jarbas Martins: ”No mar de raras águas da caatinga, o Cabugi  era um enorme  transatlântico. E me ponho, marinheiro encanecido, a navegar.” Mas neste mundo real, ele é um vulcão extinto e misterioso, como certos homens...

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Canção na plenitude




Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

Lya Luft

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Restos de julho


A primeira visão foi na igreja numa missa festiva, bodas de prata da minha irmã Riselda e Djanirito. Nunca esqueci, era uma estrela caída diante de mim. Segurei o braço de Berilo e quase lhe pedia perdão. Na saída da igreja comentamos da figura encantadora que vimos, procuramos saber quem era, Sabino - padre italiano, atual diretor do Salesiano.
Meses depois,  em julho, o coração de Berilo parou, exatamente na madrugada do dia 20 de julho de 1979.
A dor do nunca mais é uma tortura prolongada e infinita. O instinto da vida nos leva a continuar - continuando e é aí que aprendemos que o amor tem muitas faces e que somos devotos ao amor, mesmo magoando-nos com a saudade.
A morte não apagou a estrela que me mostrou o caminho e perdoou meus pecados. Ela brilha e me ressuscita. Hoje oito de julho de 2011, cinco anos que Sabino acompanhando uma procissão seguiu em frente e sem olhar para traz se perdeu de céu a fora a perder-se no espaço virou estrela onde repousa meu amor.
"Seja eu de novo a
 tua sombra, teu desejo, tua noite sem remédio, tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota tremula, raiz exposta."

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Fuga de bar


Nei leandro de castro [ Escritor ]

Bar, doce bar, dócil lar, refúgio dos corações em fase aguda de paixão, nau de todos os marinheiros desgarrados, único túmulo digno de um almirante batavo, quatro paredes protegendo o delírio, lírio que cresce em estufa alimentada a álcool, vapores do sonho impossível, nuvens azuis dos licores, voz solidária, jamais solitária, a lucidez molhada dos seus habitantes, os bêbados de todas as bebidas, a presença da mulher que ilumina a noite como um castiçal de prata, a liberdade súbita do tímido que não sabe o que fazer com as mãos e com a emoção, a tristeza redonda do adolescente bebendo o seu primeiro quinado, reinado de nada onde ninguém é vassalo, bar, doce embalo.

Bar, história, tribuna ocupada trezentos e sessenta e cinco dias ao ano  por Albmar Marinho, que impetrava mandado de segurança contra os desmandos da noite, contra a tristeza paquidérmica dos elefantes do circo, contra os soluços do coração, contra as mortes prematuras.

Bar, território livre, campo sem guerra ou armistícios, belos vícios, malícia de mulher que arremessa o dardo de um olhar, cupido tramando encontros e desencontros para depois de amanhã, balcão veneziano onde amores adolescentes se suicidam de prazer. Bar, águas de mar, águas de março a março, mormaço.

O bar e sua  legião de antiguerreiros. A História jamais registrou o ataque de um exército de bêbados contra um país vizinho. Os que amam o bar só disputam a conta da mesa e suas armas mais ofensivas são os palitos do jogo da porrinha.

Bar eleito, lugar de cismas, carisma, de que matéria é feito um bar? Não bastam um balcão, bebidas e comidas. Todo bar terno e eterno tem algo imponderável, a onipresença de Baco, Dioniso e Afrodite, que é a Débora Secco do passado distante.  No bar eleito, por mais simples que seja o ambiente, a gente respira uma atmosfera antiga, sente o aroma de um vinho servido no Olimpo.

Um bar eleito: o Lamas de muitas madrugadas, principalmente o velho Lamas do Largo do Machado, em cuja atmosfera de fumaça era possível sentir a presença de velhos fantasmas: Lima Barreto em delirium tremens, Rui Barbosa bebendo xarope de groselha, Olavo Bilac pedindo cerveja em versos alexandrinos, Machado de Assis passando ao largo, o adolescente Castro Alves morrendo de amores por uma atriz portuguesa, querendo beber cicuta.

Outro bar eleito: o velho Granada Bar, de Nemesio Morquecho Marina. Um corredor estreito que conduzia a um salão sob árvores, íntimo como uma praça, como diria Garcia Lorca. Em certas noites, com saudade de sua Andaluzia, Don Nemesio abria garrafas de vinho espanhol, fechava as portas aos intrusos e bebia em grandes goles, depois de que passava a recitar coplas andaluzas, aplaudido de pé pelo sempre presente Berilo Wanderley. Ah, meu querido Berilo! Se a eternidade existe, com certeza você já descobriu por lá um barzinho discreto, tranqüilo, onde o tempo se arrasta. Um bar com entrada proibida a chatos, arrogantes e maus poetas.

Bares da minha vida. Bar, doce lar, fuga, som baixo, contrabaixo, Chopin, chopinho,  fuga de Bach.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Desconstruindo Maria Emilia

Por ser extremamente pessoal, eu não posso tomar para mim a beleza poética do texto. O efeito da beleza é recriada na emoção de cada um que reler:
Por Jarbas Martins

um olho seu, brilhante como o de palas athena, se fez naquela exata hora ausente.como a beleza ideal de toda mulher.como suportar a beleza de um anjo, rilke? era feito de sutilezas e cambiantes tonalidades para o possível desespero dos plânctons.um olho seu certamente não estava ali.fundira-se com nuvens ou gritos de gaivotas.sua voz, à três metros de distância, de onde se encontrava, desafiava um coro celestial.sua beleza tridimensional não a encontrou um cubista.porque não descobrir,enquanto falava, a suavidade do movimento de um braço? que o outro, tão distante se fazia, e ideal, e perfeito, como os da vitória de samotrácia que jamais conheceremos. era com outros seres, não comigo, que falava.silencioso e em êxtase como os cegos lia, em braille, sua beleza seqüestrada por deus, num parque imensamente.

sábado, 17 de setembro de 2011

Sonho de consumo


Meu sonho de consumo é ser produtora de um longa metragem. O roteiro seria verdadeiros retalhos de sucessão de imagens dos filmes que continuam na minha emoção:
- A morte de Cidadão Kane – a seqüência da janela se fechando como pálpebras, numa riqueza de detalhes, só luz e movimento, mostrando a solidão do morto.
- O simbolismo da Amizade e da Esperança em Zorba, O Grego e a beleza poética de  Madame Hortense (Lila Kedrova).
- A dor da solidão de Cabíria , perdendo todas as ilusões do mundo, com aquela lágrima de palhaço estampada na face.
- Gene Kelly, a própria visão do amor, dançando na chuva nas claras poças d’água da rua.
- O Grande Ditador, o show completo de Chaplin fazendo a barba de um homem numa linda coreografia da Dança Húngara n. 5 de Brahms.
- A ternura dos menininhos do clássico  Brinquedo Proibido e o final feliz de French Cancan.
E o fundo musical, seria de Nino Rota.  
Ah, Como eu gostaria de saber quais “retalhos” Mario Ivo escolheria para compor o seu filme, e  também Jarbas Martins,  Bené Chaves, meu cineasta Moacy Cirne e meu poeta Paulinho de Tarso Correia de Melo!
Vou ficar esperando por aqui...

sábado, 10 de setembro de 2011

A Bela e a Fera



A fera, o mais puro sedutor da historia do cinema. Um monstro atormentado, e muito mais além da dor, o amor.
“Seu olhar está como fogo, não me olhe  assim”,  e completou, “Tem homens que a feiúra é por dentro” – parece desculpas!
Mesmo parecendo que tudo seria impossível, a força do amor venceu a toda uma estética. E devagarzinho, foi ganhando espaço: encontros na hora do jantar, passeios no jardim, a elegância da valsa dançada no salão aberto do castelo, a ternura de Belle oferecendo água na palma das mãos, as lágrimas desmanchadas em brilhantes...
O amor foi mais longe, no mais  secreto, num mundo que começou a existir  por causa da existência do  outro.
Jean Cocteau, criador desse belo surreal da historia do cinema, só pecou quando transformou a fera em príncipe encantado. O vôo nupcial do fim deveria ser cortado.

domingo, 4 de setembro de 2011

Recadinho

Ha pessoas que nos trazem felicidade, sabedoria e nos mostra o sentido da vida, é assim o meu poeta Sanderson Negreiros. Por um instante, enquanto conversava com outras pessoas, ele passa por mim e me entrega este bilhete. Tem razão Cecilia Meireles: "A arte de amar é a mesma de ser poeta".

O doce de jaca

O doce de jaca

O ideal do casamento é o sonho que tudo dê certo, onde na verdade seja certo o amor e seja possível a felicidade. Não seria um doce de jaca que iria denegrir este sonho. Era uma jaca, como tantas outras, mas, presente de um neo-marido, pedindo carinhosamente para fazer um doce, então a coisa muda. Sorri compreensiva e fiz o possível para garantir que o faria sim. Um dado momento pensei que seria mais prudente esquecer a jaca e sair com o destino certo de comprar um doce em lata, já prontinho, feita com a perfeição da marca “peixe”  ou “cica”. Depois o coloquei num depósito bonito, parecendo  cristal, presente de casamento de uma tia. O doce surpreendeu: “muito melhor do que o doce da minha mãe, que se diz mestra em fazer doce!”. Quando não se dá conta da coisa, o melhor é ficar em silêncio. Mas os elogios ao doce chegaram aos ouvidos da minha sogra. E foi aí que a coisa desencadeou...
Dias depois, chega Chiquinha, criada da casa desde meninota: - “minha madrinha quer falar com a senhora agora!” Saí de imediato e quando cheguei, encontrei uma “cerimônia organizada”: uma panela de barro, as criadas em prontidão e a sogra! Ela, com a testa franzida e um olhar de descrença, usava um avental branco arrematado com renda de bilro,  uma das mãos na cintura e a outra segurando um facão, e mostrou-me uma enorme jaca ali em cima da mesa, me aguardando para preparar o doce.
Fiz o possível para manter a calma. Cortei e arrumei os gomos na panela, coloquei água e açúcar. Logo começou a ferver e espumar. Para aliviar a espuma, ia colocando mais água. “E os caroços?” Ai meu Deus! Esqueci que jaca tem caroço! Queimando as mãos, numa sofreguidão  desesperada, tirei um por um dos caroços. Quando ouvi um verdadeiro grito de guerra :“Menina, você já fez doce de jaca na sua vida?” E não me dando oportunidade de explicar aquela confusão, que às vezes os infortúnios têm suas vantagens.
Quando Berilo chegou, foi pior ainda: “– Sua mulher sabe lá fazer doce! Ela lhe enganou!” Ele olhou pra ela, coçou a cabeça, e com ar gaiato respondeu: “- Bom basta!” . Por um instante Dr.Rômulo foi chegando e deu um sentido novo à questão, me premiando com esse gesto de ternura: “- Todas as mulheres deveriam aprender a fazer doce com Maria Emilia”.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O vestido de trevo de quatro folhas


  O VESTIDO  DE TREVO DE 4 FOLHAS

Ele se conserva com toda riqueza de detalhes. Reconstruo com as suas tiras e trilha sonora de uma vida. O tecido de um gorgorão tão forte que acompanhou os meus sapatinhos balé até ao salto alto da moça de 16 anos.
Existe uma tradição que o trevo de quatro folhas dá sorte e, segundo à lenda, cada folhinha representa um ciclo das quatro estações. Ele assumiu duas  estações distintas  da minha vida. Claro  que havia outros vestidos, mas  ele foi o companheiro das missas domingueiras,  dos aniversários dos parentes e  até do primeiro encontro de amor.
 Crescendo junto comigo, “desce a bainha, afrouxe a cintura”, até chegar ao ponto de se transformar em saia, e imagine:  ainda colocaram um babadinho para cobrir as pernas que cresceram depressa!
 Reconstruir o vestido de trevos é segurar a minha juventude pela mão e, sem saber muito de mim, “vou perdendo morada/ na súbita lentidão/ de um destino que me vai sendo escasso”.


domingo, 28 de agosto de 2011

Conversa com o Poeta Diógenes da Cunha Lima

Conversa com o Poeta Diógenes da Cunha Lima

Quantas lembranças meu poeta querido, muito querido!
“Escreva alguma coisa sobre Verissimo de Melo”, do mesmo jeito Moema, nossa eterna Moema, dizia –Memilia faça um poema para Cunha, ele esta chegando e Alcides precisa fazer uma faixa, ou então escreva uma faixa BEM VINDO em todas as línguas: português, Frances, inglês, espanhol e alemão. Faça logo, Cunha está chegando – Ah poeta... são restos de amor... Quanta ternura! Mas não vamos ficar triste e porque tudo isso existe, tudo isso é triste e tudo isso é verdadeiro.
Um dia o poeta Ascenso Ferreira, de chapéu enorme, entra no bar de Nemesio  para  encontrar Berilo e, graças a Deus, eu estava por perto. Naquele vozeirão das “ eternas naus do sonho de Oropa França e Bahia”, eu curtia todos os gestos e palavras. E lá para tantas ele pediu licença, iria se encontrar com Verissimo de Melo no bar de Maria Boa. Berilo com um olhar meio em duvida, me pergunta: -Mary vamos lá deixar o poeta?  O convite foi logo aceito. Fomos de taxi para o bar de Maria Boa e chegando, ficamos ali na porta esperando Vivi. Eu fiquei com um olhão lá para dentro, fascinada com aquele ambiente cheirando a pecado, pensava que era cheio de alegria. Mas para minha surpresa, vi num recanto, numa mesa sozinho, um homem de meia idade diante de um copo de cerveja: um verdadeiro retrato da solidão! Ao lado, duas moças abraçadas dançavam um bolero. De longe, vi meu vizinho que me olhou assustado e logo sumiu. Foi tudo tão rápido ! Deixamos Ascenso com Vivi e voltamos no mesmo taxi. Fui para casa escondendo o meu pecado – achava que ninguém iria saber, era só meu e de Berilo.
Dias depois, chega minha irmã Recy, com um jornal, perguntando: - Que historia é essa você na casa de Maria Boa? Você vai explicar tudo para mamãe que ficou chorando. Mamãe repetia “duzentas” vezes: “criei minha filha com tanta dificuldade num colégio de freiras e ai, veja no que deu!”

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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O Muro

O Muro

Era um longo muro branco, que tomava quase uma quadra da rua Princesa Isabel, caminho de casa para a escola Externato São Luis, colégio de Pe. Eimard. Escrito a carvão com letras caprichosamente  grandes:
Maria Emilia de Rodat  eu te amo tes
É a minha mais antiga experiência do amor. Eu tinha 12 anos. Tive a fortuna de ter aquele muro só para mim e continua até hoje na minha emoção. Uso sempre quando o amor se revela e também me alivia o espírito de tantas lutas secretas.
A minha adoção é deliciosa, mas a recordação da chegada em casa, quando minha mãe incrivelmente irritada, falou:”- Desta idade e já falada pelos muros da rua! Trate de apagar, seja lá como for!”
Saí morta de vergonha, carregando uma faquinha para raspar letra por letra da “minha fortuna”. Meu pai também tomou conhecimento e mandou alguém pintar o muro. A cal deixou o muro  branquinho, é verdade, mas as letras ficaram num belo baixo relevo continuando
 Maria Emilia de Rodat   eu te amo tes
O autor ficou no silêncio misterioso do amor e eu nunca vi a sua face.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Paixão

Paixão
Escondendo o rosto com a palma da mão e deixando escapar pelas frestas dos dedos, um olhar brilhante acinzentado, combinando com o rosto queimado do sol, num doce sorriso infantil de homem apaixonado. Nas costas, um saco pesado de cacos de vidro, que no final do dia ele escondia num buraco do quintal: era o “tesouro” que Paixão colhia pelos caminhos, igual àquele enorme diamante de José Arcadio Buendía da descoberta do bloco de gelo. O tesouro era o presente para sua princesa que dançava para ele lá em cima do Cabugi, linda e vestida de sol! Ele afirmava que por isso ela brilhava tanto que o deixava encandeado. Quando escurecia, à noitinha, a princesa vinha repousar dentro do bolso de sua camisa velhinha e estragada pelo tempo, mas, bem perto do coração.
Ele embalava a princesa com um canto triste e melodioso:” Venho da serra pelada carregando a minha dor, trouxe para a minha princesa muito ouro e muito amor.”
A cantiga ia ficando cada vez mais lenta, até os dois adormecerem. Às vezes eles dormiam ali mesmo no chão do alpendre da casa velha da fazenda. Com a chegada do sol, Paixão acordava e recomeçava a sua jornada diária em busca do ouro para sua princesa encantada.

domingo, 21 de agosto de 2011

Alô, Alô Jarbas Martins

Alô, Alô Jarbas Martins!

Existe uma Estação aqui bem pertinho do Cabugi, onde Berilo passou a infância, que fica em frente a casa velha da fazenda. Foi tudo planejado pelo Cel. Luis Pinheiro, avô materno de Berilo.

A Estação Santa Cruz, e veja como ela é linda! Junto à magia dos “causos” de Berilo, ela me fascina. O trem trazia alimentos e notícias da cidade. O pessoal da casa se preparava e se perfumava diariamente para ver a chegada desse trem. Berilo me falava coisas incríveis, como a morte de um passageiro - foi a primeira vez que Berilo menininho viu a morte de perto. Ele lembrava de sua mãe correndo trazendo um lençol branco para proteger o morto, e contava detalhes dessa e de outras lembranças.

Não vamos precisar de John Ford para começar seu filme: temos a Estação, o cenário está aí e é todo seu! Podemos até negociar, quem sabe, com aquele velho e antigo chapéu da Insustentável leveza (risos). O roteiro, conte com Mario Ivo, meu tesouro da juventude. E por falar em juventude, a idade tem uma coisa interessante: a juventude vive dentro de nós, e por ser tão íntima, faço o meu roteiro - e cá para nós, me saio muito bem. Quanto ao lado biológico, ah meu Deus! E os mais novos que seguram o meu braço com cuidado para eu não tropeçar, ah como eu acho chaaato! Não sabem eles que meus tropeções maiores são os da alma, porque o corpo, os médicos corrigem.

Adorei a sua idéia de fazer um filme, e viva Angicos e viva a você!

MEmilia