terça-feira, 30 de agosto de 2011

O vestido de trevo de quatro folhas


  O VESTIDO  DE TREVO DE 4 FOLHAS

Ele se conserva com toda riqueza de detalhes. Reconstruo com as suas tiras e trilha sonora de uma vida. O tecido de um gorgorão tão forte que acompanhou os meus sapatinhos balé até ao salto alto da moça de 16 anos.
Existe uma tradição que o trevo de quatro folhas dá sorte e, segundo à lenda, cada folhinha representa um ciclo das quatro estações. Ele assumiu duas  estações distintas  da minha vida. Claro  que havia outros vestidos, mas  ele foi o companheiro das missas domingueiras,  dos aniversários dos parentes e  até do primeiro encontro de amor.
 Crescendo junto comigo, “desce a bainha, afrouxe a cintura”, até chegar ao ponto de se transformar em saia, e imagine:  ainda colocaram um babadinho para cobrir as pernas que cresceram depressa!
 Reconstruir o vestido de trevos é segurar a minha juventude pela mão e, sem saber muito de mim, “vou perdendo morada/ na súbita lentidão/ de um destino que me vai sendo escasso”.


domingo, 28 de agosto de 2011

Conversa com o Poeta Diógenes da Cunha Lima

Conversa com o Poeta Diógenes da Cunha Lima

Quantas lembranças meu poeta querido, muito querido!
“Escreva alguma coisa sobre Verissimo de Melo”, do mesmo jeito Moema, nossa eterna Moema, dizia –Memilia faça um poema para Cunha, ele esta chegando e Alcides precisa fazer uma faixa, ou então escreva uma faixa BEM VINDO em todas as línguas: português, Frances, inglês, espanhol e alemão. Faça logo, Cunha está chegando – Ah poeta... são restos de amor... Quanta ternura! Mas não vamos ficar triste e porque tudo isso existe, tudo isso é triste e tudo isso é verdadeiro.
Um dia o poeta Ascenso Ferreira, de chapéu enorme, entra no bar de Nemesio  para  encontrar Berilo e, graças a Deus, eu estava por perto. Naquele vozeirão das “ eternas naus do sonho de Oropa França e Bahia”, eu curtia todos os gestos e palavras. E lá para tantas ele pediu licença, iria se encontrar com Verissimo de Melo no bar de Maria Boa. Berilo com um olhar meio em duvida, me pergunta: -Mary vamos lá deixar o poeta?  O convite foi logo aceito. Fomos de taxi para o bar de Maria Boa e chegando, ficamos ali na porta esperando Vivi. Eu fiquei com um olhão lá para dentro, fascinada com aquele ambiente cheirando a pecado, pensava que era cheio de alegria. Mas para minha surpresa, vi num recanto, numa mesa sozinho, um homem de meia idade diante de um copo de cerveja: um verdadeiro retrato da solidão! Ao lado, duas moças abraçadas dançavam um bolero. De longe, vi meu vizinho que me olhou assustado e logo sumiu. Foi tudo tão rápido ! Deixamos Ascenso com Vivi e voltamos no mesmo taxi. Fui para casa escondendo o meu pecado – achava que ninguém iria saber, era só meu e de Berilo.
Dias depois, chega minha irmã Recy, com um jornal, perguntando: - Que historia é essa você na casa de Maria Boa? Você vai explicar tudo para mamãe que ficou chorando. Mamãe repetia “duzentas” vezes: “criei minha filha com tanta dificuldade num colégio de freiras e ai, veja no que deu!”

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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O Muro

O Muro

Era um longo muro branco, que tomava quase uma quadra da rua Princesa Isabel, caminho de casa para a escola Externato São Luis, colégio de Pe. Eimard. Escrito a carvão com letras caprichosamente  grandes:
Maria Emilia de Rodat  eu te amo tes
É a minha mais antiga experiência do amor. Eu tinha 12 anos. Tive a fortuna de ter aquele muro só para mim e continua até hoje na minha emoção. Uso sempre quando o amor se revela e também me alivia o espírito de tantas lutas secretas.
A minha adoção é deliciosa, mas a recordação da chegada em casa, quando minha mãe incrivelmente irritada, falou:”- Desta idade e já falada pelos muros da rua! Trate de apagar, seja lá como for!”
Saí morta de vergonha, carregando uma faquinha para raspar letra por letra da “minha fortuna”. Meu pai também tomou conhecimento e mandou alguém pintar o muro. A cal deixou o muro  branquinho, é verdade, mas as letras ficaram num belo baixo relevo continuando
 Maria Emilia de Rodat   eu te amo tes
O autor ficou no silêncio misterioso do amor e eu nunca vi a sua face.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Paixão

Paixão
Escondendo o rosto com a palma da mão e deixando escapar pelas frestas dos dedos, um olhar brilhante acinzentado, combinando com o rosto queimado do sol, num doce sorriso infantil de homem apaixonado. Nas costas, um saco pesado de cacos de vidro, que no final do dia ele escondia num buraco do quintal: era o “tesouro” que Paixão colhia pelos caminhos, igual àquele enorme diamante de José Arcadio Buendía da descoberta do bloco de gelo. O tesouro era o presente para sua princesa que dançava para ele lá em cima do Cabugi, linda e vestida de sol! Ele afirmava que por isso ela brilhava tanto que o deixava encandeado. Quando escurecia, à noitinha, a princesa vinha repousar dentro do bolso de sua camisa velhinha e estragada pelo tempo, mas, bem perto do coração.
Ele embalava a princesa com um canto triste e melodioso:” Venho da serra pelada carregando a minha dor, trouxe para a minha princesa muito ouro e muito amor.”
A cantiga ia ficando cada vez mais lenta, até os dois adormecerem. Às vezes eles dormiam ali mesmo no chão do alpendre da casa velha da fazenda. Com a chegada do sol, Paixão acordava e recomeçava a sua jornada diária em busca do ouro para sua princesa encantada.

domingo, 21 de agosto de 2011

Alô, Alô Jarbas Martins

Alô, Alô Jarbas Martins!

Existe uma Estação aqui bem pertinho do Cabugi, onde Berilo passou a infância, que fica em frente a casa velha da fazenda. Foi tudo planejado pelo Cel. Luis Pinheiro, avô materno de Berilo.

A Estação Santa Cruz, e veja como ela é linda! Junto à magia dos “causos” de Berilo, ela me fascina. O trem trazia alimentos e notícias da cidade. O pessoal da casa se preparava e se perfumava diariamente para ver a chegada desse trem. Berilo me falava coisas incríveis, como a morte de um passageiro - foi a primeira vez que Berilo menininho viu a morte de perto. Ele lembrava de sua mãe correndo trazendo um lençol branco para proteger o morto, e contava detalhes dessa e de outras lembranças.

Não vamos precisar de John Ford para começar seu filme: temos a Estação, o cenário está aí e é todo seu! Podemos até negociar, quem sabe, com aquele velho e antigo chapéu da Insustentável leveza (risos). O roteiro, conte com Mario Ivo, meu tesouro da juventude. E por falar em juventude, a idade tem uma coisa interessante: a juventude vive dentro de nós, e por ser tão íntima, faço o meu roteiro - e cá para nós, me saio muito bem. Quanto ao lado biológico, ah meu Deus! E os mais novos que seguram o meu braço com cuidado para eu não tropeçar, ah como eu acho chaaato! Não sabem eles que meus tropeções maiores são os da alma, porque o corpo, os médicos corrigem.

Adorei a sua idéia de fazer um filme, e viva Angicos e viva a você!

MEmilia