quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Outono das nossas esperanças



Como tapete de folhas amarelo-avermelhadas, um outono começa em nós. “Cá dentro, a idade, restos de sonhos e mocidade”. As estações do tempo são as mesmas estações da vida. A primavera brotando beleza na terra, graças à esperança da ressurreição das folhas mortas do outono. Destino de todos nós.
Mas, é preciso sonhar, é preciso amar... No outono das nossas esperanças, o amor se mostra em cores, como um arco-íris iluminado por primaveras remotas. Onde a cor da paixão é uma deliciosa surpresa, sem cobranças e sem limites, mas num mundo sempre belo, sempre diverso e sempre novo. Se contentando em um para o outro num bem querer misterioso e pleno como uma fruta madura. Mas, é Clarice Lispector que nos diz:
"Sonhe com o que você quiser. Vá para onde você queira ir.
Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida
e nela só temos uma chance de fazer aquilo que queremos.
Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades
para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E
esperança suficiente para fazê-la feliz."

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Uma oração (Jorge Luis Borges)

Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados. Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Eles tinham um jeito só deles

Cresci escutando as histórias sobre Berilo Wanderley, meu avô, homem de muitas facetas. Jornalista, promotor, professor, boêmio, crítico de cinema e poeta. Mesmo assim, sempre que tenho a feliz oportunidade de conversar com alguém que o conhecera, descrevem-no como a mais simples das pessoas. Assim, nessas oportunidades, falam-me, as vezes, de conversas em uma agradável mesa de bar, as vezes, da maravilhosa história de como um diploma foi-se perdido em Madri, as vezes, de poetisses em geral. Mas, invariavelmente, lembram dele junto a Maria Emília – “eles tinham um jeito só deles”. É nesse ponto, então, que tudo ganha faz seu sentido, que há coerência em tamanha simplicidade. Foi um homem simples, com certeza, de modo que foi coerente neste aspecto até no seu último momento. Se alguém já tenha se questionado sobre do que viveram os heróis de Cazuza, aqueles que morreram de overdose, espero não haver questionamentos sobre do que viveu Berilo, um homem simples, que morreu do coração. (Marcello Uchoa Wanderley -neto)