Maria Emília
Maria Emília Wanderley sorri
com os olhos. Abraça com os olhos. Afaga com os olhos. Mas não saberia dizer a
cor dos olhos de Maria Emília. (Azuis? Verdes? Uma mistura dos dois?) Será
porque – sorrisos, abraços, carinhos, não têm cor. Será porque – são
simplesmente claros, transparentes, transbordam alegrias. Será porque – no
fundo, no fundo deles, lá longe e ao alcance do interlocutor, repousam
horizontes, planícies, chãs. Não é preciso olhar nos olhos de Maria Emília para
descobrir como ela conquistou tanta gente no mundo dito literário, microcosmo
da província com ares de constelação, entre infinitos amigos e ao menos dois
companheiros de vida real – os poetas, de versos, de alma, de vida, de coração,
Berilo Wanderley e Nilson Patriota. Os poetas se foram e Maria Emília ficou.
Só? Jamais. Maria Emília não tem espírito de carpideira. Quando chora, chora
só, e discretamente. (Posso estar a imaginar, ou a inventar, ou sei, mesmo, que
importa?) Maria Emília tem, mais que a certeza, a clareza de ter vivido ao lado
de pessoas memoráveis, que, como ela, não conquistaram apenas as tais
caras-metades, mas uma legião de amizades sinceras e duradouras, de amores
eternos enquanto duraram.
Foi por essa alegria – e por
que não dizer? pelos seus lindos e belos olhos – que Maria Emília conseguiu
concretizar o que parecia impossível: reunir, num só dia, hora e lugar, quase
todos os poetas, cronistas, escritores e jornalistas de uma geração que
entraria definitivamente para a história cultural desta província entre os anos
50 e 60, e cujo ápice coletivo se deu em 1961 através dos sete livros da
Coleção Jorge Fernandes – Augusto Severo Neto, Celso da Silveira, Deífilo
Gurgel, Dorian Gray, Luís Carlos Guimarães, Myriam Coeli e Sanderson Negreiros
eram os “magnificent seven” de antão. Dos sete, apenas três restam vivos – mas
todos os três estavam lá, terça-feira passada no Lula Restaurante, Morro
Branco, quase esquina – vejam só – com a Rua da Saudade.
E não é excesso dizer que, em
verdade, estavam todos lá, os vivos, os mortos, as companheiras, os amigos, uma
Grande Família, enfim, o retrato de uma cidade que teima em resistir.
Todos reunidos em torno de
Maria Emília e do homenageado principal, Berilo Wanderley, que teve o
relançamento de sua estréia, “Telhado de sonho”, safra 56, presenteado a quem
apareceu e sentou-se ao redor de uma grande mesa em formato de “U”, uma
verdadeira antologia em carne e osso: Nei Leandro, Diva Cunha, Tarcísio Gurgel,
Inácio Magalhães, Vicente Serejo, Woden Madruga, Paulinho de Tarso Correia de
Melo, e os já citados Deífilo, Sanderson, Dorian, mais viúvas, mães, mulheres,
musas.
As histórias remontavam meio
século. Falavam de amor – uma ou outra pitada de ciúmes, claro –, falavam de
paixão, resgatavam a boêmia, saudavam as letras.
Ninguém chorou. Todos
sorriram.