sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Canção na plenitude




Não tenho mais os olhos de menina
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura
agrandada pelos anos e o peso dos fardos
bons ou ruins.
(Carreguei muitos com gosto e alguns com rebeldia.)

O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

Lya Luft

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Restos de julho


A primeira visão foi na igreja numa missa festiva, bodas de prata da minha irmã Riselda e Djanirito. Nunca esqueci, era uma estrela caída diante de mim. Segurei o braço de Berilo e quase lhe pedia perdão. Na saída da igreja comentamos da figura encantadora que vimos, procuramos saber quem era, Sabino - padre italiano, atual diretor do Salesiano.
Meses depois,  em julho, o coração de Berilo parou, exatamente na madrugada do dia 20 de julho de 1979.
A dor do nunca mais é uma tortura prolongada e infinita. O instinto da vida nos leva a continuar - continuando e é aí que aprendemos que o amor tem muitas faces e que somos devotos ao amor, mesmo magoando-nos com a saudade.
A morte não apagou a estrela que me mostrou o caminho e perdoou meus pecados. Ela brilha e me ressuscita. Hoje oito de julho de 2011, cinco anos que Sabino acompanhando uma procissão seguiu em frente e sem olhar para traz se perdeu de céu a fora a perder-se no espaço virou estrela onde repousa meu amor.
"Seja eu de novo a
 tua sombra, teu desejo, tua noite sem remédio, tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota tremula, raiz exposta."