segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Fuga de bar


Nei leandro de castro [ Escritor ]

Bar, doce bar, dócil lar, refúgio dos corações em fase aguda de paixão, nau de todos os marinheiros desgarrados, único túmulo digno de um almirante batavo, quatro paredes protegendo o delírio, lírio que cresce em estufa alimentada a álcool, vapores do sonho impossível, nuvens azuis dos licores, voz solidária, jamais solitária, a lucidez molhada dos seus habitantes, os bêbados de todas as bebidas, a presença da mulher que ilumina a noite como um castiçal de prata, a liberdade súbita do tímido que não sabe o que fazer com as mãos e com a emoção, a tristeza redonda do adolescente bebendo o seu primeiro quinado, reinado de nada onde ninguém é vassalo, bar, doce embalo.

Bar, história, tribuna ocupada trezentos e sessenta e cinco dias ao ano  por Albmar Marinho, que impetrava mandado de segurança contra os desmandos da noite, contra a tristeza paquidérmica dos elefantes do circo, contra os soluços do coração, contra as mortes prematuras.

Bar, território livre, campo sem guerra ou armistícios, belos vícios, malícia de mulher que arremessa o dardo de um olhar, cupido tramando encontros e desencontros para depois de amanhã, balcão veneziano onde amores adolescentes se suicidam de prazer. Bar, águas de mar, águas de março a março, mormaço.

O bar e sua  legião de antiguerreiros. A História jamais registrou o ataque de um exército de bêbados contra um país vizinho. Os que amam o bar só disputam a conta da mesa e suas armas mais ofensivas são os palitos do jogo da porrinha.

Bar eleito, lugar de cismas, carisma, de que matéria é feito um bar? Não bastam um balcão, bebidas e comidas. Todo bar terno e eterno tem algo imponderável, a onipresença de Baco, Dioniso e Afrodite, que é a Débora Secco do passado distante.  No bar eleito, por mais simples que seja o ambiente, a gente respira uma atmosfera antiga, sente o aroma de um vinho servido no Olimpo.

Um bar eleito: o Lamas de muitas madrugadas, principalmente o velho Lamas do Largo do Machado, em cuja atmosfera de fumaça era possível sentir a presença de velhos fantasmas: Lima Barreto em delirium tremens, Rui Barbosa bebendo xarope de groselha, Olavo Bilac pedindo cerveja em versos alexandrinos, Machado de Assis passando ao largo, o adolescente Castro Alves morrendo de amores por uma atriz portuguesa, querendo beber cicuta.

Outro bar eleito: o velho Granada Bar, de Nemesio Morquecho Marina. Um corredor estreito que conduzia a um salão sob árvores, íntimo como uma praça, como diria Garcia Lorca. Em certas noites, com saudade de sua Andaluzia, Don Nemesio abria garrafas de vinho espanhol, fechava as portas aos intrusos e bebia em grandes goles, depois de que passava a recitar coplas andaluzas, aplaudido de pé pelo sempre presente Berilo Wanderley. Ah, meu querido Berilo! Se a eternidade existe, com certeza você já descobriu por lá um barzinho discreto, tranqüilo, onde o tempo se arrasta. Um bar com entrada proibida a chatos, arrogantes e maus poetas.

Bares da minha vida. Bar, doce lar, fuga, som baixo, contrabaixo, Chopin, chopinho,  fuga de Bach.

Um comentário:

  1. Adorei seu blog ele. belas coisas há postado. virei visitante contínuo . Bjs Michel - hair cult

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